terça-feira, outubro 30, 2012

Ferreira do Tejo

Geografia, toponímia, história

Ferreira / Herrera de Alcántara fica situada na margem esquerda (sul) do Tejo internacional a escassas centenas de metros do rio. 


As zonas mais remotas do Tejo são férteis em vestígios de povoados pré-históricos, e o território em torno de Ferreira não é exceção. Quanto a referências escritas à localidade, as primeiras são do século 11.

Tal como acontece com as “Ferreiras” portuguesas (Ferreira do Zêzere, Ferreira do Alentejo, Ferreiras, Paços de Ferreira, etc), supõe-se que o topónimo derive da existência de antigas atividades ligadas ao trabalho em ferro ou à mineração desse metal.


Vista panorâmica de Ferreira e do Tejo internacional. Imagem obtida aqui.

Em 1297, Ferreira e as localidades vizinhas de Valença e Esparregal foram cedidas por Portugal a Castela pelo tratado de Alcanizes, sendo de admitir que à data estivessem sob controlo efetivo da Ordem Militar de Alcântara, ligada a Castela. E foi assim Ferreira e Valença tiveram os seus topónimos oficialmente alterados para Herrera de Alcántara e Valencia de Alcántara. Do Esparregal, hoje restam as ruínas de um castelo perdidas no município de Santiago de Alcántara.

Voltando a Ferreira; durante séculos, e até há alguns anos, os seus habitantes continuaram a chamar-lhe “Ferrêra” ou “Firrêra”. Já o dialeto local, ou o pouco que resta dele, esse não mudou de nome e continua a ser chamado “Ferreño”.

Atualmente a comunidade tem pouco mais de 200 habitantes e estatuto de municipalidade pertencente à Extremadura espanhola.


O Ferreño e um belo monumento quase sem fotos na internet

O Ferreño é a designação do dialeto local de matriz portuguesa cuja origem exata não é conhecida. "O possível povoamento do território com colonos portugueses após a expulsão dos muçulmanos, o corte administrativo com Portugal em 1297 ou antes, e o afastamento geográfico de outras localidades espanholas em contraponto com a proximidade de localidades portuguesas, permitiu que o falar do povo mantivesse durante séculos caraterísticas únicas, antigas e aportuguesadas" (link).

Algumas referências geográficas locais são inequivocamente portuguesas, nomeadamente "Los Castelos", "Cerro do Castelo", e os arroios "Cabriosiño" e "Lampariño".

Em Ferreira, os mais velhos ainda falam o Ferreño; como vamos ver, há quem diga que “chapurrea” (1), há quem diga que “fala”, e há quem não faça uma coisa nem outra.

A Igreja de São Sebastião Mártir foi construída no século 18 com as pedras da fortificação local destruída pelo exército português em 1667 aquando de uma das ocupações da localidade durante a Guerra da Restauração. Uma senhora percebe há turistas fotografando a sua igreja e quer saber se a acham bonita. Quando percebe que são portugueses, sorri e diz “Nós chapurreamos".


www.rio-odiana.blogspot.com
Igreja de São Sebastião Mártir, Ferreira, 2012 agosto. (2)

Um outro vizinho, a quem está confiada a chave da igreja, dispõe-se a abri-la para que os turistas de Lisboa vejam que é mais bonita por dentro que por fora, mas este diz “eu falo à portuguesa”. Já dentro do monumento aponta a abóboda principal e mostra descontente as imperfeições da reconstrução. A abóboda original caiu aquando da devastação do Terramoto de Lisboa, sentida em muitos lugares do ocidente da península, e que também afetou Ferreira. 

Junto à porta lateral, três meninas com cerca de 5 a 8 anos brincam alheias a turistas, chapurreos e falares. Pelo menos aos ouvidos desconhecedores de um português, nas suas conversas animadas  não há  vestígio de outra coisa que não seja o Espanhol que se ouve em qualquer lugar do país.


Outras ligações

Existem outras ligações de Ferreira a Portugal para além da “fala” em extinção e de uma abóboda de igreja que em 1755 partilhou o destino de tantas abóbodas de igreja portuguesas.

Segundo se lê no sítio do "ayuntamiento", "[u]n dato importante para la historia y la economía de este pueblo es que tuvo un puerto fluvial en el Tajo, de donde salía mercancía hasta Inglaterra, pasando por Lisboa. Incluso en el s.XVIII.". A construção de estradas no século 19 retirou utentes ao tráfego fluvial, e a construção de barragens do Tejo no século 20 fez o resto.

Por outro lado, "[a]ntes da construção das barragens pescavam-se, entre outras, espécies marinhas que subiam o rio, tais como sáveis e enguias (antigamente também esturjões); fala-se inclusivamente de pescadores galegos do Minho que se deslocavam até aqui para fazerem a temporada." (link). A ser verdade, é natural que estes pescadores fizessem a viagem subindo o Tejo, assim como é admissível que tenham contribuído para o reforço da diferenciação dialetical dos poucos habitantes da isolada Ferreira.

Uma ligação mais recente a Portugal é religiosa; no sábado mais próximo de 13 de maio celebra-se em Ferreira o Dia de Fátima que inclui uma procissão que percorre algumas ruas da pequena localidade.

Outra ligação a Portugal está por concretizar e, ao que nos disseram, é um anseio local antigo que continua a não encontrar acolhimento nos orçamentos portugueses e espanhóis; falta uma ponte, ou um ferry, que permita a passagem de veículos automóveis para Portugal. Do outro lado do rio, a apenas 5km, está a Malpica do Tejo, que é também a localidade geograficamente mais próxima de Ferreira. Da Malpica a Castelo Branco distam apenas 18km. A existência de uma passagem de automóveis deixaria Ferreira a menos de 25 km de Castelo Branco e, mais que tudo, muito menos isolada.



Atualmente, ir a Portugal por rodovia significa ter de viajar para sudoeste à até à fronteira de Galegos/Fontanheira, o que deixa Castelo Branco a mais de 2 horas de distância. Em alternativa, é possível usar a passagem sobre a barragem de Cedilho, mas é preciso que seja domingo, e que seja verão, únicos dia da semana e período do ano em que a Iberdrola faz o "especial favor" de permitir a passagem de automóveis.
Areias de Ferreira nas Praias de Lisboa

Mas há ainda mais uma ligação, esta inesperada, de Ferreira a Portugal; o simpático anfitrião que abriu a porta da igreja de Ferreira aos turistas de Lisboa, não nos deixa partir sem nos dizer, sempre no seu falar à portuguesa, que as praias de Lisboa têm muita areia levada dos lugares por onde as águas do Tejo passam, e que alguma dela é de Ferreira. E deixa claro que é preciso que nos lembramos disso a próxima vez que formos à praia, como ele fez quando esteve na Caparica. 

Ficou prometido que não vamos esquecer: os barcos de Ferreira já não podem viajar até à foz do Tejo, mas as areias de Ferreira continuam a chegar às praias de  Lisboa.




(1) “Chapurreo: Torpeza en la habla del que no domina bien un idioma". O termo é por vezes usado para referir o Português ou os dialetos portugueses falados em algumas zonas raianas espanholas como se se tratasse de Espanhol mal-falado.

(2) A proximidade de construções junto à Igreja de São Sebastião é por si só um desafio impossível de resolver por quem tente enquadrar fotograficamente o monumento porque não há máquina que vença o desafio dos caixotes de lixo e dos vidrões colocados mesmo junto à face principal da Igreja. Por certo a Câmara Municipal de Ferreira há de ter outro sítio para os colocar. De igual modo, deveria ser encontrada outra solução para os cabos elétricos aéreos na proximidade. Talvez estas questões justifiquem a quase ausência de fotografias desta igreja na internet. Este belo monumento merece melhor.


Com interesse:

Sobre o património linguístico de Ferreira e Cedilho: Literatura Oral de Cedillo e Herrera de Alcántara, de Maria da Conceição Vilhena, 1989

Sítio eletronico dos parques naturais português e espanhol do Tejo internacional: www.taejo.eu








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